JIM

ESTE BLOG PRETENDE DAR A CONHECER UM POUCO DAS MINHAS AFINIDADES, PREFERÊNCIAS E AMIZADES.

sábado, março 17, 2012

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BERNARDIM RIBEIRO, TORRÃO - ALENTEJO.
Écloga de Jano e Franco
(Excerto)

Dizem que havia um pastor
antre Tejo e Odiana,
que era perdido de amor
per üa moça Joana.
Joana patas guardava
pela ribeira do Tejo,
seu pai acerca morava
e o pastor, de Alentejo
era, e Jano se chamava.

Quando as fomes grandes foram,
que Alentejo foi perdido,
da aldeia que chamam o Terrão
foi este pastor fugido.
Levava um pouco de gado,
que lhe ficou doutro muito
que lhe morreu de cansado;
que Alentejo era enxuito
d'água e mui seco de prado.

Toda terra foi perdida;
no campo do Tejo só
achava o gado guarida:
ver Alentejo era um dó!
E Jano, pera salvar
o gado que lhe ficou,
foi esta terra buscar;
e, se um cuidado levou,
outro foi ele lá achar.

O dia que ali chegou
com seu gado e com seu fato,
com tudo se agasalhou
em üa bicada de um mato.
E levando-o a pascer,
o outro dia, à ribeira,
Joana acertou de ir ver,
que se andava pela beira
do Tejo a flores colher.

Vestido branco trazia,
um pouco afrontada andava;
fermosa bem parecia
aos olhos de quem na olhava.
Jano, em vendo-a, foi pasmado;
mas, por ver que ela fazia,
escondeu-se antre um prado:
Joana flores colhia,
Jano colhia cuidado.

Depois que ela teve as flores
já colhidas, e escolhidas
as desvairadas cores,
com rosas entremetidas,
fez delas üa capela,
e soltou os seus cabelos,
que eram tão longos como ela:
e de cada um a Jano em vê-los,
lhe nacia üa querela.

E enquanto aquisto fazia
Joana, o seu gado andava
por dentro da água fria,
todo após quem o guiava.
Um pato grande era a guia;
e todo junto em carreira,
ora rio acima ia,
ora, em a mesma maneira,
o rio abaixo descia.

Joana, como assentou
a capela, foi com a mão
à cabeça, e atentou
se estava em boa feição.
Não ficando satisfeita
do que da mão presumia,
partiu-se dali direita
para onde o ria fazia
d'água üa mansa colheita.

Chegando à beira do rio,
as patas logo vierom
todas üa e üa, em fio,
que toda a água moverom.
De quanto ela já folgou
com aquestes gasalhados,
tanto entonces lhe pesou,
e com pedras e com brados
dali longe as enxotou.

Depois que elas foram idas
e que a água assossegou,
Joana, as abas erguidas,
entrar pel'água ordenou;
e assentando-se, então,
as sapatas descalçou,
e, pondo-as sobre o chão,
por dentro d'água entrou
e a Jano pelo coração.

Em quanto, com passos quedos,
Joana pela água ia,
antre uns desejos e medos,
Jano, onde estava, ardia;
não sabia se falasse,
se saísse, se estivesse:
que o amor mandava que ousasse,
e, por que a não perdesse,
fazia que arreceasse.

Dizem que, naquesto meio,
se esteve Joana oulhando;
e, descobrindo o seu seio,
oulhou-se, e dixe, um ai dando:
"Eu guardo patas, coitada,
não sei onde isto há d'ir ter,
mais era eu pera guardada.
Que concerto foi este: ser
fermosa e mal empregada!"

Em aquisto Jano ouvindo,
não se pôde em si sofrer,
que d'antre as ervas saindo,
se não lançasse a correr.
Joana, quando sentiu
os estrompidos de Jano,
e que se virou e o viu,
temor do presente dano
lhe deu pés com que fugiu.

Mui perto estava o casal
onde vivia o pai dela,
que fez ir mais longe o mal,
que Jano teve de vê-la;
Mas o medo que causou
Joana partir-se assi,
tanto as mãos lhe embaraçou,
que a sapata esquerda, ali,
com a pressa lhe ficou.

Jano, quando viu e oulhou
que nenhum remédio havia,
pera o lugar se tornou
aonde ela n'água se via.
E vendo a sapata estar
no areal, à beira de água,
foi-a correndo abraçar.
Tomando-a, cresceu-lhe a mágoa,
e começou de chorar.

Toda a sapata e os peitos
em lágrimas se banharom;
muitos foram os respeitos
que tanto choro causarom.
Encostado ao seu cajado,
a sapata na outra mão,
despois de um longo cuidado,
de dentro do coração
começou falar, cansado:

"Despojo da mais fermosa
cousa que viram meus olhos,
pera eles sois üa rosa,
e pera o coração abrolhos.
Sapata, deixada aqui,
pera mal de outro mor mal,
quem te leixou, leva a mi:
que troca tam desigual!
Mas, pois assi é, seja assi.

Agora hei vinte e um anos,
e nunca inda té agora
me acorda de sentir danos,
os deste meu gado em fora;
e hoje, per caso estranho,
(não sei em que hora aqui vim)
cobrei cuidado tamanho,
que aos outros todos pôs fim;
eu mesmo a mim mesmo estranho.

Antes que este mal viesse,
que me tantos vai mostrando,
qye alguns cuidados tivesse,
não me matavam, cuidando.
Agora, por meus pecados,
e segundo em mim vou vendo,
não podem ser outros fados;
meus cuidados não entendo
e moiro-me assi de cuidados.

Dentro do meu pensamento
há tanta contrariedade,
que sento contra o que sento
vontade e contra vontade;
estou em tanto desvairo,
que não me entendo comigo.
Donde esperarei repairo?
- que vejo grande o perigo
e muito mor o contrairo.

Quem me trouxe a esta terra
alheia, onde guardada
me estava tamanha guerra
e a esperança levada?
Comigo me estou espantando
como em tam pouco me dei;
mas cuidando nisto estando,
os olhos com que outrem olhei
de mim se estavam vingando.

E por meu mal ser mor, inda
de mim tenho o agravo mor:
que da minha mágoa infinda
eu fui parte e causador;
que, se me não alevantara
d'antre as ervas onde estava,
mais dos meus olhos gozara...
E, já que assi se ordenava,
isto ao menos me ficara.

Desastres, cuidava eu já,
quando eu ontem aqui cheguei,
que a vós e à ventura má
ambos acabava - e errei!
Triste, que me parecia
que, o meu gado remediado,
comigo bem m'haveria!
E estava-me ordenado
estoutro mal que ainda havia!

Ó mal! não vos sabe a vós
quem me vos a mim causou!
Tristes dos meus olhos sós,
que trouverom, aonde estou,
olhos, a certo lugar -
ribeira mor das ribeiras
que levam as águas ao mar -
vós me sereis verdadeiras
testemunhas do pesar.

E em dizendo isto, parece,
trasportou-se no seu mal;
e como a quem o ar falece
caiu naquele areal.
[...]
Bernardim Ribeiro

domingo, março 04, 2012

· http://www.youtube.com/watch?v=yKD9xMEYUNg&feature=share

· http://www.youtube.com/watch?v=AxfB41cp2AE

Um pouco de história.
Santarém e Alter do Chão são povoações de origem portuguesa, respectivamente. Alter do Chão «Alentejo» é a cidade dos cavalos – cavalos de Alter – cujas referências são mundialmente conhecidas. Há muito que Portugal e as suas ex-colónias deviam ter-se unido, numa “Comunidade de Estados” forte e independentes, para nos podermos defendermos da barbárie que no momento assola o mundo e a paz mundial: os parasitas!